A mudança é o futuro do presente e presente do futuro
Sobre certezas, convicções e fé
Cada ação, cada interação social tem um significado. Ideias contribuem para mudanças. E mudanças são a dádiva, o presente que nos é dado pelo futuro. E, inevitavelmente, o futuro de nosso presente. Citando Dylan, Adam Grant e Seth Godin, nesse texto falo sobre a obviedade da necessidade de rever posições.
Quando Bob Dylan decidiu mudar o arranjo de suas músicas a partir de 1965, adotando a guitarra elétrica, muitos torceram o nariz e o vaiaram, como ocorreu no Newport Folk Music Festival. Em um movimento arriscado, no fim de um de seus mais famosos concertos, antes de iniciar “Like a Rolling Stone”, pediu à banda que tocasse alto para abafar as reclamações da plateia (“play f___ loud”), o que resultou em uma memorável versão deste clássico.
Dylan não quis mais do mesmo. Não tocou em troca de likes, não quis continuar pregando para convertidos. O antigo Dylan não estava mais lá. Uma de suas frases à época antes de tocar as novas versões era “it used to be like that, but now it goes like this…”.
Alguns anos depois, Raul Seixas proclamou sua preferência por ser uma metamorfose ambulante.
A mensagem é semeada há tempos, mas parece não ter encontrado solo fértil.
Ao que tudo indica, nos tornamos mais inteligentes que nossos ancestrais caçadores-coletores após a revolução agrícola, domando nosso futuro por meio de projeções e normas. A incerteza da vida se converteu em risco, um ritmo dançado sempre em pares: impacto e probabilidade. E essa tal probabilidade, séculos depois, tornou-se mensurável e a estatística nos brindou com a ilusão de controle sobre fenômenos aleatórios.
Criamos as palavras infinito, nada, energia, liberdade e morte para denotar abstrações que expandem nossa cognição e nos tornamos dependentes de dogmas, de certezas inquestionáveis das quais precisamos como ponto de partida para enfrentar o dia a dia.
Essas certezas são o combustível das nossas decisões — sem elas, podemos ficar paralisados, em estado de anomia.
Assim como os economistas criam modelos simplificados da realidade, a partir de certos pressupostos, para fazer projeções úteis (um mapa com escala um para um não é muito conveniente), mas, por vezes, aplicam tais modelos sem verificar a presença desses pressupostos necessários, abraçamos nossos dogmas sem a sensibilidade de analisar mudanças nas premissas de nosso ambiente ou, pior, sem ponderar as consequências de não mexermos no leme.
Essas certezas podem ter lastro em enunciados objetivos cientificamente comprováveis (se você jogar uma pedra para cima, ela cairá) ou podem decorrer simplesmente de um consenso construção social). Fala-se em verdades objetivas, atreladas à ciência, e verdades subjetivas, relativas a convicções íntimas, pessoais. Essas últimas, ainda, podem decorrer de crenças compartilhadas, mas não necessariamente unânimes — caso em que falamos de fé, a certeza do que esperamos e a prova daquilo que não vemos.
Mesmo as verdades objetivas podem ser objeto de alteração diante de novas evidências, pois a ciência vive questionando a si mesma — o ceticismo metodológico é seu traço genético fundamental.
Quando falamos de convicções ou de fé, podemos pensar, à primeira vista, que a ausência de lastro empírico possa torná-las mais suscetíveis a mudanças.
No entanto, quanto maior o medo de ser arrastado pela correnteza, maior é a força com que nos seguramos em nossos dogmas.
Disso decorre que, em linguajar químico, a energia de ativação para as mudanças em verdades subjetivas é maior. Ação e reação. Isso explica, em parte, a dificuldade nos debates, cada vez mais acirrados, especialmente sobre temas polêmicos. A busca por câmaras de eco para confirmar nossas verdades acaba resultando em polarização. Perda da capacidade de dialogar.
Queremos likes e reações de ❤ e não comentários raivosos ou críticas. Por outro lado, não hesitamos em contribuir para enxames raivosos prontos para destruir quem se opõe a nossos argumentos.
Com isso, perdemos ou atrofiamos nossa couraça retórica e ficamos à flor da pele, mais sensível à luz do sol que brilha fora da caverna.
Decidi escrever esse texto, em virtude de um post de Seth Godin, um de meus autores preferidos, no qual ele oferece duas definições interessantes (em tradução livre):
Certeza: obstinação diante da crítica e reação implacável a evidências em contrário. Não ter dúvidas é mais importante do que estar certo. A necessidade de demonstrar força e consistência muitas vezes nos aprisiona, especialmente em um mundo com novas informações e percepções chegando com frequência”.
Precisão (ou exatidão): reconhecimento de que a soma total de nossas convicções atuais é uma medida de nosso saber, o que significa que as hipóteses refutadas devem ceder diante de novas evidências. O método científico é um processo, não um jaleco ou um livro didático. Mudar o ponto de vista é uma virtude, não uma falha.
Qual dessas atitudes lhe parece mais adequada para um bom convívio social?
Se você deseja refletir um pouco mais sobre o assunto, confira o livro “Think Again” de Adam Grant. O subtítulo é revelador: há poder em “saber o que você não sabe”, uma espécie de paráfrase de “conhece-te a ti mesmo”. “Se conhecimento é poder, conhecer o que não sabemos é sabedoria”, diz Grant. Uma ideia muito interessante no livro é a de que podemos adotar três posturas em interações sociais:
- Pregadores: quando nossas crenças sagradas estão em perigo, fazemos sermões para proteger e promover nossos ideais.
- Promotores: quando reconhecemos falhas no raciocínio de outras pessoas: argumentamos para provar que estão errados e ganhar nosso caso.
- Políticos: quando buscamos conquistar um público, batalhando por aprovação de nossos seguidores (eleitores).
Grant sugere que adotemos a postura de cientistas, que até podem cair em tentação e agir segundo um ou mais dos modelos acima, mas têm como traço fundamental o poder de repensar suas ideias. Se temos o hábito de nos definir a partir de nossos dogmas, Grant sugere a alternativa de nos definirmos por meio de nossa atitude perante o mundo, perante as demais pessoas.
Meu trecho favorito do livro é (em tradução livre):
Um bom debate não é uma guerra. Não é sequer um cabo de guerra, em que você pode arrastar seu oponente para o seu lado se puxar com força. É mais como uma dança que não foi coreografada, negociada com uma parceira que tem um conjunto diferente de passos em mente. Se você se esforçar demais para guiar, sua parceira resistirá. Se você conseguir adaptar seus movimentos aos dela e fazer com que ela faça o mesmo, é mais provável que vocês consigam entrar no ritmo.
Cada ação, cada interação social tem um significado. Ideias contribuem para mudanças. Mudanças são a dádiva, o presente que nos é dado pelo futuro. E, inevitavelmente, o futuro de nosso presente.